Corredor

Se eu contasse, ninguém acreditaria. É realmente uma pena que eu não tenha provas para descrever o quão absurdamente esquisito o meu dia dos namorados fora. Insano, bizarro, e, até mesmo, apavorante; todas essas palavras caíam como uma perfeita luva para definir o fato de ter ido ao principal baile da noite com Desiree Mason, a dura e irredutível editora-chefe do profeta diário, e atual mentora de um dos clubes de artes em Hogwarts. A mulher tinha personalidade forte e eu também. Certo; talvez eu seja um fracassado com mulheres, razão pela qual estou solteiro, ganhando títulos injustos como o de "titio" ou "vovô", mas finalmente eu estava me dando conta de que era tempo de acertar as coisas. Repensei se tinha valido à pena ceder tão facilmente ao seu convite, com o poder da informação curiosa e divertida de que a grande - sim, estou sendo irônico - Desiree havia sido convidada por um velho, que já a assediava desde a festa de ano novo. Olha, eu posso até estar encalhado, porém nunca despertei a atenção de velhas com hora marcada para ir para o andar de cima. Não estava tão decadente, assim.

O acontecimento havia mexido comigo, até porque não havíamos tido nenhum momento que possa ser considerado, de qualquer maneira, como socialmente agradável. Ela ficara em seu canto, e eu no meu, trocando poucas palavras, como se, de fato, ela se importasse comigo e vice-versa. Pff. Isso é meio ridículo. Minto. É totalmente ridículo. E, o pior de tudo aquilo, era que eu havia chegado a conclusão, depois de muito indagar sobre questionamentos próprios da minha vida, de que o sentimento por ela ainda continuava vivo, ali, no mesmo lugar, aonde ele havia nascido e crescido; Desiree era um capítulo inacabado em minha história. Nunca tínhamos parado para conversar sobre o que havia nos acontecido no passado, e minha reaproximação repentina com ela, por motivos profissionais, fazia-me um homem transtornado. Eu sabia que, mais cedo ou mais tarde, aquele assunto surgiria espontaneamente entre nós. E, aí, talvez pudesse ser tarde demais para uma auto-avaliação de nossas atitudes.

Naquele início de semana, sentia-me como se estivesse de folga. Havia ocupado os alunos com o Spirit Week que, por tradição, era realizado, uma vez, anualmente. O resultado positivo era refletido no silêncio puro dos corredores, que levavam às inúmeras salas de aulas e outros aposentos importantes da escola. Engana-se você se pensa que por isso eu posso ficar o dia inteiro de pernas para o ar, pensando em qualquer coisa alheia a Hogwarts. Nunca, jamais. Como sempre digo, ser diretor é um exercício diário. Tão logo, às onze horas da manhã, estava com a cara enterrada em uma pilha gigante de documentos, dentre os quais a maior parte deles eram problemas a ser solucionados. Respirei fundo e me concentrei em meu trabalho. Quando me dei por mim, uma hora já havia se passado. Levantei-me da minha cadeira, carregando comigo o emaranhado de papéis e rumei para a saída do meu gabinete. Tranquei-o, observando se ninguém passava por perto. Depois do conhecido incidente "Gustav Salvasen", havia um temor geral de que isso ocorresse novamente... e de que os pivetes saíssem impunes de novo.

Caminhei em passos rápidos até os corredores que levavam as escadas do castelo, mas senti o meu corpo se chocar contra algo. Ou melhor, contra alguém. Automaticamente meu corpo reagiu, se jogando involuntariamente para trás. Observei os papéis voaram por todos os lados e ergui os meus olhos, que fuzilaram a imagem que se formara lentamente na minha frente. - De... Desiree? - balbuciei, gaguejando. Sim, eu estava nervoso. Em todos os sentidos possíveis. Eu devo ter atirado pedra na cruz umas mil vezes na vida passada. Ou só Freud explica. - Eu pensei que tiraria essa semana de folga, para curtir o feriado com aquele seu paquera... como ele se chama, mesmo? - le art de destilar veneno. Era mais forte do que eu.

"Eu sou um idiota", me culpei mentalmente por muitas vezes, quando Desiree reagira, de imediato, a minha ironia de uma maneira que eu jamais esperava. Seus olhos e o seu tenso tom de voz evidenciavam o seu transtorno, mas principalmente a sua falta de tempo (e interesse) em entrar numa discussão comigo, sobre quem havia sido o responsável pelo casual esbarrão. Escutei-a me pedir - ou melhor, praticamente me implorar -, com a voz comedida, mas ao mesmo tempo intensa, para que eu liberasse Elizabeth, sua filha, para sair do castelo. O que poderia ter acontecido com ela? Tínhamos uma ótima equipe de profissionais para cuidar de eventuais casos de machucados, feridas e outros acidentes normais que poderiam acometer os nossos alunos. Me indaguei se aquilo poderia ser tão grave, a ponto de que nem Hogwarts teria uma estrutura boa para avaliá-la e medicá-la. Porém, logo meus pensamentos e a voz de Desiree fora interrompida por Claire Abshire, a assistente do medibruxo Richard Lewis. Ouvi-a atentamente. Ela parecia estar um pouco mais calma do que Desiree, mas ainda assim, demonstrara um cuidado com suas palavras ao tratar do caso.

Então, a srta. Abshire tinha me descrito detalhadamente o estado do quadro - aparentemente grave - de Elizabeth. Varíola de Dragão. Há muito não ouvia falar um caso daqueles em Hogwarts. Felizmente não parecia se tratar de um surto ou de uma epidemia. No entanto, para prevenir que isso se espalhasse, eu investigaria isso mais profundamente. Arfei nervoso ao escutar da boca da assistente que Lizzie havia apresentado piores resultados com o uso da raiz de mimbulus mimbletonia. Por uma coincidência do destino, acreditem se quiser, eu também era alérgico a mesma e tinha péssimas memórias com ela. Definitivamente Elizabeth deveria estar sofrendo bastante. Assenti quando ela me recomendou que eu aceitasse as condições impostas por ela, já que corríamos o risco de que a varíola, por ser uma enfermidade de fácil contato com terceiros, poderia se espalhar pelo castelo.

Desiree reforçou seu pedido de outrora e me perguntou se podia levar a sua filha.

- Tudo bem, é claro. - concordei de imediato, ainda notavelmente assustado pela notícia que havia sido despejada de modo quase cuspido. Devia estar sendo um tempo difícil para Desiree; primeiramente havia perdido o seu marido e agora sua única filha estava doente. Não que também não estivesse sendo para mim; Aidam era meu amigo e Elizabeth era como uma filha para mim. Assim como todos os outros alunos. - Srta. Abshire, providencie tudo o que for preciso para transferir Elizabeth imediatamente. - me aproximei mais de Desiree e olhei em seus olhos, compreendendo sua legítima dor. - Eu posso te acompanhar? Sei que temos nossos problemas pessoais, mas acho que agora devemos ignorar isso tudo. Você não precisa passar por isso sozinha. - disse com o tom de voz baixo, mas firme. Queria mostrá-la que, apesar de todas as coisas pelas quais passávamos frequentemente, ela tinha um amigo em mim.