Existem duas coisas que Natalie Fowler Bianchi pode chamar de suas. A primeira é o ardente e desesperado desejo de fugir de Florença, sua terra natal.
A segunda não é um pai.
Athos Bianchi não era um homem ruim, exatamente. Alto, forte, com cabelos claros sempre bem mantidos, uma barba cuidadosamente aparada e uma expressão séria no rosto, passava a imagem de honestidade para os moradores de Florença. Talvez fosse por esse motivo que sua posição como governador nunca fora ameaçada por adversários. Filho de uma família com fortes influências políticas, era bom chefe de família, casado há mais de quinze anos com uma bela estrangeira, Erin Fowler.
O casal não estava mais planejando ter filhos quando a notícia da gravidez de Erin surgiu, após terem tentado várias vezes durante os anos, sem êxito. Mesmo sendo pego de surpresa, Athos não conseguia esconder sua animação com o nascimento da única filha.
A menina, que recebeu o nome de Natalie em homenagem à sua avó paterna, nasceu com alguns ralos cabelos escuros, cortesia dos genes da mãe, sem dúvida e belíssimos olhos azuis acinzentados. Como tanto o pai quanto a mãe possuíam olhos num tom escuro forte, uma suspeita brotou na mente de Athos. O médico que fez o parto, notando a confusão do pai, explicou que todos os bebês nasciam com olhos daquela maneira e que em poucos meses a cor definitiva apareceria. O fato dos pequenos olhos da recém nascida receberem uma distinta coloração esverdeada ao passar dos dias não ajudou.
Marco De Luca, por outro lado, esse sim era um sujeito errado. Cabelos escuros, olhos fascinantemente verdes e um jeito malandro, conveniente para seus vinte e poucos anos de idade. Era, porém, um rapaz perdido na vida.
Vivia realizando pequenos trabalhos aqui e ali - com “trabalhos” deve-se entender “roubos” – nunca conseguia juntar dinheiro suficiente pra tomar um rumo na vida. Gastava tudo em bebida e mulheres, o que na verdade não era necessário. Não a segunda parte ao menos, porque a combinação da aparência física claramente atrativa e gingado suave era suficiente para conseguir várias amantes sem ajuda monetária.
Tinha orgulho da vida que levava, mas o que mais lhe agradava em si mesmo era sua persistência. Por isso, quando bateu o olhar sobre a esposa do governador durante uma das celebrações oficiais de Florença, decidiu que precisava conquistá-la. Faria de tudo que estivesse ao seu alcance, e mais, para ter aquela morena pra chamar de sua, pelo menos por uma noite. A diferença de idade, cerca de treze anos, não o desanimava em nada, até o motivava mais. A conquista seria mais gratificante assim.
Foram meses e meses de sedução e frustrações, mas não é preciso narrar essa parte. Relevante aqui é que Marco enfim conseguiu o que queria, quase um ano depois de ter começado com aquele objetivo. Uma noite era o máximo que Erin cederia. E no dia seguinte ele logo decidiu outra mulher como meta e aquilo havia sido suficiente. Suficiente pra estragar toda uma vida.
Marco de Luca não teve a chance de redimir-se, entretanto, pois alguns anos depois foi encontrado morto. Dizem as más línguas que foi um assassinato, um acerto de contas com alguns cinco anos de atraso.
Existem duas coisas que Natalie Fowler Bianchi pode chamar de suas. A primeira é o ardente e desesperado desejo de fugir de Florença, sua terra natal.
A segunda não é uma mãe.
Erin Fowler Bianchi era uma mulher atraente para seus trinta e alguns anos. Essa talvez fosse sua única qualidade, infelizmente. Em nada se destacava, era perfeitamente normal, simples e... bem, entediante.
Nasceu na Inglaterra, no condado de Hampshire e logo no auge de sua juventude, mudou-se com os pais para a Itália. Não demorou muito a achar um marido decente e casar-se, respeitando o desejo do patriarca. Era basicamente uma esposa troféu, cuidava do lar e fazia uma boa imagem ao lado do marido.
Isso até que cedeu aos encantos de Marco De Luca. O que aconteceu naquela fatídica noite é possível imaginar, o resultado veio após longos nove meses e tinha nome: Natalie.
Conforme a menina crescia, ficava mais difícil explicar o motivo pelo qual a pequena Natalie não se assemelhava ao suposto pai. Athos procurava não se deixar levar pela insegurança e acreditava que aquela era sua filha de sangue. Tratava a como uma princesa, mimava a garota até não poder mais e amava a do fundo do coração. Apesar de toda a seriedade que mantinha em público, não deixava de ser afetuoso com as duas mulheres de sua vida, um carinho nunca era demais.
Por volta do aniversário de cinco anos da criança, a mãe contraiu uma doença fatal. Fatal e de rápida ação, não demorou mais de uma semana para que a mulher não conseguisse mais levantar da cama. No leito de morte, decidiu contar toda a verdade, causando mais drama. Como se não bastasse a morte da esposa, Athos teve suas suspeitas confirmadas na pior hora possível.
Erin Bianchi não realizou grandes feitos, não o suficiente para ser lembrada com saudades depois da morte. A maior realização foi aquela traição e se soubesse o que aconteceria com a filha após sua partida, teria se arrependido ainda mais.
Existem duas coisas que Natalie Fowler Bianchi pode chamar de suas. A primeira é o ardente e desesperado desejo de fugir de Florença, sua terra natal.
A segunda não é a memória de uma infância pacífica.
“Conturbada” seria uma boa palavra para descrever tal infância. Sem o carinho materno e em um berço de violência e desconsolo. Athos Bianchi tinha um problema e este não era a falta de amor, ou carinho sequer. Ele os tinha em excesso, por sinal. Talvez todo esse amor tenha se convertido, em algum momento, em um instinto de superproteção. Athos era um pai abusivo.
Em seu desespero de tentar proteger sua pequena filha, tentava lhe ensinar lições, mas não tinha controle sobre a sua força e a maneira de expressar sua preocupação. Era o pai com a melhor das intenções, mas com o pior jeito de demonstrá-la.
Os anos passavam e a relação conturbada entre pai e filha continuava a mesma. A menina não conseguia entender os motivos de seu pai, mas não o confrontava. Natalie cresceu um tanto isolada da sociedade, machucados freqüentes são difíceis de esconder, afinal.
Um dia, por motivos não relevantes, a menina acabou fazendo amizade com um garoto da cidade, Finn. O problema não era a amizade entre os dois, não é nem como se Athos desaprovasse. Ou soubesse.
Quando ele enfim descobriu, durante uma das visitas secretas do menino à casa dos Bianchi, sua raiva tomou conta. O descontrole o fez bater na filha, na frente do amigo e depois chutá-lo para fora de casa. Isso enfim causou uma reação em Natalie. Pela primeira vez, a menina tentou se defender e até mesmo revidar contra o pai, não que ela tenha conseguido. Porém, o que realmente afetou a relação dos dois foi quando Natalie admitiu em voz alta o quanto odiava o pai.
Athos não esperava por isso. Afinal, para ele aquilo, a superproteção, era uma demonstração de amor.
Mesmo assim, as punições físicas e os traumas psicológicos não pararam. Tudo que mudou foi que depois daquele dia, Natalie nunca mais confiou no pai e passou a alternar entre rebelar-se e isolar-se.
Existem duas coisas que Natalie Fowler Bianchi pode chamar de suas. A primeira é o ardente e desesperado desejo de fugir de Florença, sua terra natal.
A segunda
é a magia.
Um fato curioso sobre esse evento, entretanto, é que foi quando ocorreu a primeira demonstração de magia por Natalie. Em meio aos gritos de raiva e frustração, objetos levitavam e ricocheteavam nas paredes, assustando tanto pai quanto filha. Mas como tudo na mansão dos Bianchi, aquilo foi esquecido e jogado para debaixo do tapete.
Lembra daquele amigo, o que foi expulso da casa momentos antes? Curioso como era, Finn ficou espiando a briga por uma das janelas e assistiu tal manifestação mágica. Ao invés de denunciar o que presenciou, como a maioria faria, ele guardou o conhecimento para si.
Dias mais tarde, quando finalmente Natalie conseguiu escapar de casa por algumas horas, Finn a confrontou. Como vinha de uma família de trouxas, a menina não sabia nada sobre magia e admitiu estar confusa sobre seu aparente novo poder. A sorte dela foi que o próprio amigo era de uma família bruxa e estava disposto a ensiná-la e a guardar segredo.
Para Natalie, que sempre desejou ser diferente dos demais e acreditava fielmente na existência de seres de outro mundo, descobrir que era uma bruxa foi o melhor momento de sua vida.
A amizade dos dois cresceu, assim como o interesse mútuo em magia, espers, extraterrestres e até viajantes do tempo. Conforme os anos passavam, os dois ficavam conhecidos na cidade por suas excentricidades. Procuravam evidências de alienígenas e todo o resto e estavam sempre falando disso abertamente, ao contrário da magia, a qual mantinham em segredo. Houve diversas ocasiões em que ambos quase foram levados para um manicômio por tais declarações, mas eram queridos pela maioria dos cidadãos e protegidos por eles. Essas acusações não eram tão bem vistas por Athos, entretanto, e resultavam quase sempre em mais punições.
Apenas quando a suposta loucura de Natalie começou a afetar a carreira política do pai que medidas foram tomadas. Em casa, também não havia mais como ignorar a magia, devido ao desenvolvimento das habilidades mágicas da garota. A solução mais prática encontrada por Athos foi enviá-la para uma escola de magia na Inglaterra, Hogwarts. Convencê-la a ir, isso sim foi complicado, mas quando até Finn apoiou a ideia, Natalie cedeu.
Não seria tão ruim, ela concluiu, já que livrar-se do controle de seu pai e das limitações de Florença era um dos seus desejos desde sempre. E agora, Hogwarts.
No castelo, Natalie não demorou a ganhar uma reputação de louca. Felizmente, juntamente com essa nova definição veio a chance de criar outra amizade duradoura. Um garoto da mesma idade e casa, Eric Jones, logo tornou-se o melhor amigo de Natalie e, mais uma vez, a amizade se baseava na curiosidade mútua do desconhecido e da crença de que nem tudo é o que parece a primeira vista.
Com o passar do tempo, entretanto, ficou aparente que Eric começava a se interessar pela menina não só como amiga, mas ela não o dava chance, por ele não ser 'um ser extraordinário'. Apesar de não se interessar pelo garoto, Natalie tinha encontros todos os finais de semana, ganhando assim também uma pequena fama de... bem, puta. Nenhum relacionamento, entretanto, pois nestes encontros a única meta era encontrar alguém realmente extraordinário. Nada surpreendente, Natalie não achou ninguém que julgasse a sua altura.
Novo ano, novas chances.